Afinal, o que é um relacionamento saudável? A resposta parece óbvia mas talvez não o seja para todas nós. Sabemos que um relacionamento saudável, seja ele romântico, familiar ou de amizade, inclui respeito mútuo, confiança e uma comunicação clara e honesta. No entanto, recebo mulheres em clínica que fazem check a todos estes requisitos e, ainda assim, não se sentem felizes nem preenchidas nas suas relações. Absorvidas pelo trabalho e rotinas aceleradas, esquecem-se muitas vezes que, apesar desses pilares serem fundamentais, existe um ainda maior: elas próprias!
O conceito de “amor-próprio” está mais vivo do que nunca (brindemos a isso!) muito graças às redes sociais. São muitos os vídeos e depoimentos de vozes que se unem para convidar todas nós, mulheres, a aceitarmo-nos com amor. Entre conselhos e exemplos, sabemos que gostarmos de nós próprias pode ser demonstrado com atos grandiosos ou pequenos gestos: tirar 5 minutos ao final do dia para fazer skincare é amor-próprio; dizer que não sem culpa também. Recusar aquele convite num sábado à noite para ficarmos em casa é amor-próprio, saber a altura de ir embora também... Mas se já sabemos tanta coisa sobre auto-estima, o que é que está a faltar para vivermos relações felizes? A minha resposta enquanto terapeuta é: depende dos casos.
Às vezes os traumas do passado falam mais alto; outras vezes falamos de dependência emocional. Seja qual for a causa continuamos a viver uma rotina acelerada que não nos permite ouvir-nos internamente e priorizarmo-nos. Por vezes sentimos a necessidade de mudança porém sentimos que não somos dignas dessa mudança; por vezes sentimos que somos audazes o suficiente para sermos independentes porém, sentimos que não chegamos longe sem o reforço positivo do outro.
Estar bem comigo própria para estar bem com os outros… mas como?
O maior antídoto para não deixar que o stress do dia-a-dia desgaste a sua relação é verificar, sempre que possível, quando foi a última vez que se nutriu individualmente. Cultive o seu próprio espaço de desenvolvimento pessoal. Isto significa manter hobbies individuais, saber ouvir a sua criança interior e deixá-la brincar, desafiar-se a experimentar atividades novas e manter as suas amizades. Nos entretantos de tudo isto, não se esqueça também de continuar a sonhar individualmente. Metas em conjunto são importantes e podem dar caminhos bonitos na relação, mas não se esqueça que antes de aparecer esse amor já existiam caminhos só seus.
Se ambos os membros do casal viverem de acordo com esta ideia têm o mundo pela frente. Não há nada mais enriquecedor numa relação do que duas pessoas em constantemente evolução e aprendizagem, que se desafiam individualmente e que, nas suas aprendizagens individuais, se expandem em conjunto. Não precisa de se deixar de lado para manter um relacionamento saudável, pois este só acontece se se tiver a si própria. Enquanto terapeuta, assisto a casais que se separam precisamente por já não se lembrarem de quem eram individualmente, o que reforça a necessidade do seu auto cuidado - físico e emocional - uma prioridade na sua vida. Reserve momentos para curtir a sua companhia e não se deixe ficar na fila de espera de si mesma. Lembre-se sempre que quanto mais oferecer a si própria, mais consegue oferecer a quem está a seu lado. Nada justifica a perda da sua individualidade.
Relações à prova de stress: 5 conselhos da terapeuta e amiga
1. Comunicação aberta e honesta: Numa rotina acelerada, é comum que os pequenos desentendimentos ou frustrações não sejam expressos (nem sempre sobra energia para conversas difíceis!). O perigo disto acontecer são as distâncias emocionais que daqui nascem, por isso reserve momentos para conversar com calma e sinceridade sobre o que está a ser vivido. Não acumule situações, partilhe as suas expectativas e saiba também ouvir as do seu parceiro. A comunicação é a base de qualquer relação saudável.
2. Qualidade acima de quantidade: Quando estamos sobrecarregados, a ideia de passar longos períodos com as pessoas de quem gostamos pode parecer impossivel. E talvez seja. Vivemos rotinas aceleradas onde nos é exigido demasiado, no entanto, não se esqueça que a qualidade do tempo com alguém será sempre sempre mais importante do que a quantidade. Talvez não lhe seja possível passar um fim de semana fora, mas e um jantar a dois? A conexão que tanto procura pode estar à distância de uma conversa calma ao final do dia.
3. Estabeleça limites saudáveis: Ter limites claros é essencial para manter a saúde emocional de qualquer relacionamento. Isso não significa ser inflexível ou distante, mas sim ser capaz de comunicar de forma honesta sempre que precisar do seu espaço ou e tempo para si mesma. Os limites podem ser grandes aliados numa relação, pois garantem, muitas vezes, que o tempo de qualidade só nosso é preservado e respeitado.
4. Vão haver imperfeições no relacionamento: aceite-as Os relacionamentos são feitos de altos e baixos e nem sempre as coisas vão correr conforme o planeado. Abrace os movimentos naturais da relação. A vida em casal exige adaptação e compromisso, o que não significa, obviamente, que deve sacrificar-se constantemente, mas sim que, em algumas situações, seja necessário encontrar soluções criativas para que ambos possam sentir-se preenchidos. Celebrem as diferentes fases da vida, ainda que haja momentos em que isso não seja fácil.
5. Compreensão é a chave: Não se deixe engolir pela rotina atarefada: os outros também têm direito ao cansaço e estão, certamente, a viver os seus processos. A paciência é valiosa e não deve partir apenas de quem está connosco. Olhar para o outro membro da relação com empatia é fundamental para fortalecer laços afetivos. Já escutou o outro hoje? Já se colocou no seu lugar? Faça esse exercício para criar vínculos mais profundos e duradouros.
Ainda que possam existir fases em que não é fácil, é possível criarmos relações verdadeiramente felizes com alguém. Viva-as intensamente, com verdade e presença.
Desacelerar já deixou de ser um conselho gasto: é urgente, por nós e pelas nossas relações.
Texto escrito por:
Dr.ª Ana Sofia Fernandes, psicóloga clínica especializada em áreas como PHDA, saúde mental perinatal, intervenções na primeira infância, mediação familiar, dislexia, proteção de crianças e jovens, intervenção familiar, avaliação de competências parentais e psicologia forense. A sua abordagem integrada e empática é direcionada para promover o bem-estar mental e emocional das famílias que acompanha.
