Nos dias de hoje, a ansiedade é uma das condições mais comuns que, quando em excesso e mal gerida, afeta a nossa saúde mental. As exigências do trabalho, da vida social, das responsabilidades familiares e a constante presença de estímulos digitais fazem com que nos sintamos frequentemente sobrecarregados. Não é de admirar que, cada um/a de nós, seres humanos que vivemos na frenética corda bamba entre o sentir e o agir, suportados quer por redes de outras pessoas, quer por redes digitais, queiramos acabar com a estados como a ansiedade num piscar de olhos. Neste contexto, vários produtos têm surgido, novas ferramentas, modelos e expressões de interesse na área do bem-estar. Uma delas é o mercado de suplementos alimentares, que cada vez mais oferece uma panóplia de produtos, como por exemplo gomas com ingredientes naturais que complementam a acalmar a mente e a melhorar o bem-estar geral. Mas será que uma goma pode realmente acabar com a nossa ansiedade?
Seria estranho um/a profissional de psicologia ter estudado tanto, ter investido tanto na sua formação académica e prática, para no final, dizer “sim, é possível uma goma acabar com a ansiedade”. No entanto, após toda a minha formação profissional, e anos de prática, não me é possível dizer um redondo “não”. A razão para isso é simples, embora a sua explicação seja complexa, não estivéssemos a falar do bicho raro que é o ser humano, e da sua vontade (inocente?) de acabar com a ansiedade.
Reparem que até agora quando escrevi a palavra acabar, coloquei a mesma em itálico. Tal não é inocente. Ouço muitas vezes em consultório, em transportes públicos, em conversas de amigos ou de colegas, comentários que tendem a ir ao encontro da ideia de eliminar a ansiedade das nossas vidas.
Não podia estar mais contra essa ideia.
A ansiedade é uma condição multifacetada, que pode ser causada por uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e biológicos. É um fator de evolução, que proporciona a minha mente e o meu corpo a estarem alerta e a manterem-se em segurança.
Por isso, vamos reformular a pergunta “como posso acabar com a minha ansiedade” para “que formas tenho ou posso aprender para melhor gerir a minha ansiedade”. E agora o caso muda de figura. Agora a pergunta “pode uma goma promover a melhor gestão da minha ansiedade” torna-se mais inócua, i.e., menos problemática para um/a profissional de saúde que seja mais conservador/a.
Porquê, devemos perguntar. A resposta mantém-se simples, embora com contornos complexos. É que agora não estou a pensar num modelo causa efeito do tipo:
Ansiedade → goma → diminuição da ansiedade
Agora estou a pensar de forma dinâmica, ou seja:
Ansiedade → goma → ginásio → psicoterapia → jantar fora → criação de hábitos saudáveis → melhoria da gestão da ansiedade → conviver com momentos de ansiedade e retirar partido dos mesmos
O modelo torna-se mais complexo, mas a tradução é simples. Se para uma determinada pessoa, ajuda a criar hábitos saudáveis tomar um suplemento que tem na sua composição ingredientes a investigação científica demonstra os seus benefícios, então porque razão aquela pessoa não o deverá fazer?
Agora, se o cenário for ilustrado com esta pessoa a tomar apenas uma goma e a ignorar todos os pontos (e mais alguns que não foram referidos) do modelo, então, mesmo sem investigação científica para me corroborar, acredito que os níveis de ansiedade não só vão ser iguais, como o nível de frustração será maior ainda, porque a pessoa vai pensar “então mas eu tomei a caixa toda de X produto, e ainda estou pior?”. É natural, esqueceu a parte mais importante para alcançar os tais hábitos saudáveis.
Assim, o objetivo deste texto é maior do que defender ou atacar a toma de suplementos como gomas. Ainda por cima, quem não gosta de gomas? O objetivo é promover duas competências de extrema importância: (i) o pensamento crítico: para que cada pessoa investigue que opções existem, quais as validações científicas e de outras pessoas dessas opções e (ii) criatividade: para que cada pessoa consiga encontrar o seu modelo de promoção de hábitos saudáveis. Sou psicólogo há mais de 10 anos, e com todas as limitações que tenho, como qualquer outro/a profissional, já tive casos onde o momento psicoterapêutico não era o ideal para uma determinada pessoa que estava comigo em consulta. Ou eventualmente eu não seria o profissional certo naquele momento. Recordo uma pessoa com quem trabalhei que tinha a intenção de fazer consultas todas as semanas, mas referia sempre a vontade de fazer ginásio. Quando questionei porque não fazia também exercício, respondeu que não era possível naquele momento fazer o investimento em ginásio e psicoterapia. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi então sugerir que passássemos a ter as consultas com maior intervalo para que fosse possível investir no ginásio. Concluímos que era a opção certa, e pouco tempo depois o nosso modelo acabou por se moldar às necessidades da pessoa.
O que quero então dizer com este exemplo é que cada um/a de nós tem a sua forma de gerir emoções e estados. Devemos ser, ou arranjar forma de ser, responsáveis por essa gestão - com exceção de casos limite e/ou de risco.
Encontrarmos a nossa forma de saber gerir temas como a ansiedade vai promover os hábitos saudáveis, que são o fator mais importante para a saúde mental a longo prazo. Algumas práticas para melhorar os hábitos saudáveis passam por exemplo por:
Exercício Físico Regular: A atividade física tem um impacto direto na redução da ansiedade. Exercícios aeróbicos, como caminhadas, corrida ou ciclismo, aumentam a produção de endorfinas, substâncias químicas que promovem a sensação de bem-estar. O exercício também reduz os níveis de cortisol, ajudando a equilibrar o sistema de resposta ao stress.
Sono de Qualidade: Dormir bem é fundamental para manter a saúde mental em boa forma. O sono inadequado está diretamente ligado ao aumento da irritabilidade e ao agravamento da ansiedade. Criar uma rotina de sono consistente e de qualidade pode ajudar a reduzir o impacto do stress no teu dia a dia.
Alimentação Balanceada: Uma dieta rica em nutrientes é essencial para o equilíbrio emocional. Alimentos ricos em ómega-3, como peixe e nozes, têm demonstrado efeitos positivos na saúde mental. Além disso, garantir um bom aporte de vitaminas e minerais, como o complexo B (incluindo a Vitamina B6), pode ajudar a regular o humor.
Mindfulness e Meditação: A prática de mindfulness ou meditação ajuda a treinar a mente a focar-se no presente, reduzindo a tendência para pensamentos ansiosos ou ruminações. Reservar alguns minutos por dia para estas práticas pode ter um impacto profundo na forma como gerimos o stress.
Terapia Psicológica: Se a ansiedade for persistente ou estiver a interferir significativamente na qualidade de vida, procurar ajuda profissional é uma escolha importante para ajudar a reestruturar os pensamentos e comportamentos que mantêm a ansiedade.
O Papel dos Suplementos
Voltando à questão inicial: pode uma goma acabar com a ansiedade? A resposta honesta é não, uma goma sozinha não vai resolver o problema da ansiedade. Mas uma consulta de psicologia isolada também não. Os suplementos podem ser aliados importantes no percurso de autocuidado. No final das contas, a chave para lidar com a ansiedade está numa abordagem equilibrada e integrada. Ao adotarmos hábitos saudáveis, como o exercício, a boa alimentação, o sono de qualidade e as técnicas de relaxamento, podemos promover uma mente mais calma e um corpo mais resiliente.
Francisco Valente Gonçalves, Psicólogo Clínico & Diretor RUMO
Especialista em Psicologia clínica e da saúde. Trabalha principalmente nas áreas da motivação, tomada de decisão e regulação emocional com a população adulta. Cédula profissional 16216.
